sábado, 15 de outubro de 2011

O retorno dos Filósofos

Há quase sete séculos, analisando o declínio da sociedade islâmica no Al-Andalus, o filósofo da história Ibn Khaldún escrevia que as sociedades se mantinham em pé enquanto se mantivessem os indivíduos que as sustentavam. Os valores humanos, que geram a coesão social, bem como as instituições, irradiam a partir do próprio coração moral do indivíduo, nascem da integridade perante as circunstâncias adversas. Dito de outro modo, a sociedade não é um ente abstracto, mas a soma dos seus indivíduos com as suas forças e debilidades, com as suas virtudes e defeitos. Se o país gasta o que não tem e depois se converte em escravo das suas dívidas, é porque em casa fazemos o mesmo. Dizia Ibn Khaldún que quando as pessoas confiam que as instituições vão solucionar os seus problemas e se tornam dependentes, adictas ao sistema, em vez de oferecerem o melhor de si aos outros, a sociedade torna-se débil e caduca, precipita-se no abismo e na dissolução. Assim o tinha advertido J.F. Kennedy no seu famoso discurso inaugural como presidente dos Estados Unidos: “não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês, mas o que podem vocês fazer por ele”.

Platão dizia que a cidade morre quando é governada pelo interesse e não pelo dever e pela sabedoria. O Filósofo da Academia divide os seres humanos em Ouro, Prata, Bronze e Ferro. Os de Ouro são os sábios e os de Prata os servidores do dever e da honra. Os de Bronze e os de Ferro carecem da verdadeira noção do bem público e atendem aos seus próprios interesses, por mais que os disfarcem. Portanto, carecem de autoridade moral para governar ou ser um exemplo. Como um lobo que se faz passar por cão de guarda não pensa em nada mais do que em devorar o gado e aguarda o momento oportuno para saciar os seus instintos. Protege, por exemplo, como faz uma máfia.

O que sustenta a Cidade (e as sociedades, portanto) é a Justiça e não a lei, como vulgarmente acreditamos. Pois uma lei indevidamente aplicada, injusta ou que é criada ou invocada para favorecer os interesses privados gerando situações claramente injustas, deixa de ser um elemento ordenador da sociedade. Pelo contrário, destrói-a.

As leis, por mais utopicamente perfeitas que sejam ou pareçam, aplicadas de forma injusta, fazem com que os desapossados e inocentes, as vítimas, clamem ao céu, pois todo o ser humano, se não se tiver convertido num monstro amoral, tem uma noção instintiva do que é justo ou não.

As leis ao serviço dos poderosos e injustos convertem-se em látegos e instrumentos de tortura de corpos e almas, massificando os cidadãos até os converter em simples despojos, sem uma verdadeira alegria de viver, sem discernimento, nem princípios, sonhos ou esperanças, a não ser a esperança de uma morte libertadora.

Na filosofia da Índia, a palavra Dharma significa Lei (mas Lei verdadeira, não as imitações humanas), Justiça, Dever, Verdade, Caminho. E a raiz etimológica desta palavra sânscrita é “dhr”, que significa sustentar. É a Ordem-Verdade-Justiça que sustenta o mundo e as sociedades humanas. É como um fogo na noite, que atrai todos os olhares, chamando-nos, que dá calor, abrigo e protecção contra as alimárias.

Se a cidade morre, se a sociedade se dissolve, se nos sentimos prisioneiros da solidão da alma, da angústia e do desespero é porque o ser humano necessita reconhecer o seu próximo como irmão, à luz destas verdades e destes valores, solidariamente unido a ele graças à Justiça. Pois, como dizia Aristóteles, esta é a natureza do ser humano, formar “Cidades” onde reinem a Concórdia, a Alegria, o Amor, a Justiça e o Trabalho, o Valor e a Amizade, a Pureza e a Harmonia. Formar um núcleo em redor do centro, em torno do fogo e à luz destes Valores Eternos, e criar instituições cujas linhas de força e resistência sejam esses mesmos valores.

Se examinamos o mundo com os olhos da alma, apercebemo-nos de que este é um século de trevas, a injustiça passeia-se insolente pelas cidades e aldeias e entre as ruínas da alma humana; e é senhora em todos os âmbitos e cenários em que nos encontremos. A prova disso é o descontentamento cada vez maior que amargura as horas de vida e a falta de sentido da maior parte de tudo o que fazemos.

Mas o Relógio da História marca o retorno dos Filósofos, das almas de Ouro e de Prata, dos apaixonados pela Sabedoria e, portanto, servidores daqueles Valores Eternos que fazem com que o ser humano mantenha a sua dignidade em pé, no meio das ruínas do seu tempo, para elevar na noite a sua tocha de Ideais e Sonhos ao alto, convocando o que nos une a TODOS os seres humanos e afastando as sombras do medo e da ignorância que nos separa e massifica.

José Carlos Fernández
Director da Nova Acrópole Portugal